A consciência por trás da boa ação.
Os dias andam complicados ultimamente. Principalmente para quem ama animais e se preocupa com as crescentes ondas de maus tratos que estamos vivenciando em todo o país. Abandono, espancamentos, animais queimados, enterrados vivos, esfaqueados, chutados, humilhados. Crueldades que abalam até os corações mais frios e insensíveis. Neste contexto, está cada vez mais comum vermos pessoas mobilizadas em prol desses animais, organizando passeatas, manifestações por leis mais rígidas, projetos para a retirada de cães e gatos das ruas entre outras ações de proteção. Mas muitas pessoas possuem uma visão totalmente equivocada do que realmente é proteger um animal, do que é fazer algo que efetivamente traga um benefício a curto, médio e longo prazo.
Então vamos ver: qual a sua visão de proteção animal? O que é proteger para você? Você acha que proteger é educar? Claro que é. A educação é a base de todo o processo e deve ser feita constantemente e em todas as etapas, pois é através da educação que você vai conseguir conscientizar, mudar opiniões e conceitos, abrir horizontes, instigar, plantar sementes que irão estimular pessoas a tomarem atitudes corretas. E estas pessoas, irão educar mais pessoas e assim por diante.
Mas é claro que somente educar não basta, é preciso mais. Resgatar, alimentar, reabilitar, vacinar, vermifugar, doar. Sim, retirar animais das ruas e doá-los a lares responsáveis é um ato nobre e merece ser incentivado, desde que realizado com critério e racionalidade. Então vamos lá novamente. O que mais importa para você, doar animais? Montar um álbum no seu perfil do facebook com milhares de fotos de cães e gatos que foram orgulhosamente entregues a novos donos? Dormir com a consciência tranquila por ter retirado dezenas de animais das ruas acreditando que você fez tudo e até um pouco mais do que podia, e portando, foi mais do que suficiente? Este é mais um grave erro que algumas pessoas cometem ao pensar que estão fazendo proteção animal. Pois a eficiencia de uma pessoa se mede não pela quantidade de animais resgatados e doados, mas sim com a forma como estes resgates e estas doações são conduzidas. Por exemplo: você acredita na importância da esterilização de cães e gatos antes de serem doados? Se você acredita e coloca em prática, parabéns, você está no caminho certo. Mas se você é daqueles que não vê importância nisso, afinal o que importa é doar o animal e nada mais, eu acho que seria importante esclarecer alguns pontos:
1 – a responsabilidade sobre o cão ou gato resgatado e doado não acaba no momento em que você o entrega nas mãos do novo dono. Tudo o que ocorrer após isso, será em parte, sua responsabilidade também, simplesmente porque toda e qualquer atitude que você tiver com um animal hoje irá refletir no futuro dele. Se você fizer a coisa certa, ele será feliz e terá a chance de uma vida digna. Se você fizer besteira, ele sofrerá.
2 – já que a responsabilidade sobre o futuro do animal doado será em parte sua, obviamente que, se você o entregar inteiro (não castrado) e ele procriar, a responsabilidade sobre os descendentes gerados também será sua. Ou seja, se um dia você descobrir que o filhote do filhote do filhote daquele cãozinho que você entregou sem castrar foi parar no meio da rua, boa parte da culpa será sua. Pois lembre-se: toda atitude sua para com o animal irá refletir no futuro dele.
3 – se você aceitar e estimular pessoas a doarem animais nestas condições, você estará sendo conivente com uma atitude que poderá refletir negativamente no futuro deles. Lembra quando falamos em educação? Pois este é o momento. Se você sabe o que é correto, porém vê pessoas agindo de forma contrária, eduque. Oriente, plante a semente, não seja conivente com atitudes errôneas e que em nada ajudarão a mudar a situação
4 – não pense que todas as pessoas são como você é. Não entregue um animal inteiro acreditanto que o novo dono irá cuidar do resto, porque não é assim que funciona. Estatisticamente, 80% dos animais entregues inteiros (não castrados) continuam assim, ou seja, são potenciais fábricas de filhotes que amanhã ou depois estarão nas ruas também. E com apenas um detalhe: cada cadela ou gata trará 5, 6 ou 8 filhotes por parto. Haverá lares para todos? Obviamente que não.
Portanto nota-se que fazer proteção não é tão fácil quanto possa parecer. Várias etapas terão de ser seguidas com o foco final, que é a doação do animal em perfeitas condições de saúde e devidamente esterilizado à um tutor responsável. Mas aí você pode estar se perguntando: “Eu já tiro da rua, dou banho, comida e até vermífugo. Já não estou fazendo o suficiente?” Não, não está. Simplesmente porque a retirada do animal das ruas é a parte mais fácil de todo o processo, o mais difícil vem a seguir: reabilitar, dar assistência, vermifugar, vacinar, esterilizar, escolher um bom adotante e somente então doá-lo. Se você fizer o serviço pela metade, você estará tomando atitudes que, mais uma vez eu repito, refletirão negativamente no futuro deste animal.
Como fazer então para cumprir com todas estas etapas e poder dormir com a conciência tranquila, sabendo que o que você fez foi um bom trabalho? A primeira dica é jamais querer abraçar o mundo. É bastante complicado, pois em cada esquina vemos cães e gatos famintos e implorando por ajuda. Porém eles são muitos, e infelizmente não se pode salvar todos sozinho. Você precisa ter em mente que mais vale poucos animais salvos de forma adequada, do que muitos resgatados pela metade. Então programe-se. Tenha a certeza de que você poderá arcar com toda a responsabilidade. Pense que este animal necessitará de cuidados, alimentação, vermifugação, vacinação, esterilização para depois ser encaminhado ao novo lar. Não tenha pressa, pois embora existam outros lá fora, também existem pessoas como você e que também estarão fazendo a sua parte. Cuide de um por vez. Não leve 10, 20 animais para dentro de casa, pois acredite, você não conseguirá dar conta nem do mínimo necessário.
Na verdade então, você pode ir por dois caminhos. Se você quer ajudar e não tem como levar pra casa, providencie atendimento para este animal, castre-o e devolva-o para a rua. Passe a monitorá-lo como animal comunitário e coloque-o na prioridade para ser adotado. Isso se chama CED – Captura, esterilização e devolução. Não é o ideal, confesso, mas é uma ótima alternativa para quem quer ajudar e não tem disponibilidade de fornecer lar temporário. Além disso, a CED elimina a necessidade de abrigos que servirão como futuros depósitos de animais e locais de “desova” de centenas de cães e gatos.
O outro caminho é você dar à este animal um lar temporário até o momento da doação. Com o animal em casa, providencie atendimento veterinário. Não faça diagnósticos nem institua tratamentos por conta própria. Procure um serviço que atenda a baixo custo na sua cidade e programe a castração deste animal. Conte com auxílio de ONGs se for o caso, faça uma rifa, convide amigos para ajudar, firme parcerias com veterinários na cidade, mas jamais esqueça: mesmo assim, a responsabilidade sobre este animal ainda é sua. Você o resgatou, é você que deve zelar pelo seu bem estar.
Quando tudo estiver encaminhado e o animal recuperado, comece a procurar um novo tutor. Esta é outra etapa de fundamental importância, pois você precisará de um tutor responsável. De nada adianta doá-lo, se em uma semana ele voltar para as ruas. Ou então ele passar fome, apanhar ou não se adaptar com outros animais existentes na casa. Portanto, converse com os possíveis adotantes. Faça entrevista, pergunte onde moram, se é seguro e limpo, porque decidiram adotar um animal, quais as condições de moradia, se existem outros animais, doenças pregressas, etc. Fale também sobre guarda responsável. EDUQUE, oriente, coloque-se a disposição para tirar dúvidas e sempre que possível, faça uma visita até o local onde o animal irá viver. Faça termo de adoção, em duas vias e assinado por ambas as partes, jamais abra mão disso, pois é a garantia de que você fez a sua parte da forma mais correta possível, e lhe dará respaldo inclusive se um dia você tiver de retirar o animal da casa. Exagero? Claro que não afinal mais uma vez (isso já está ficando até chato), toda a atitude sua para com o animal resgatado irá refletir positivamente ou negativamente no futuro dele. Portanto se você entregar o animal para qualquer um e este animal tiver acesso às ruas e for atropelado, por exemplo, boa parte da culpa da morte dele será sua. Pois foi você quem o colocou naquela casa e nas mãos daquele dono.
Pronto. Se você compreendeu que todas as etapas acima são fundamentais e conseguiu colocá-las em prática, você está efetivamente fazendo proteção animal. O caminho a ser seguido é este e nenhum outro. Boas ações são válidas sempre, mas a racionalidade deverá sempre falar mais alto pois estamos falando de vidas que, dependendo de nossas atitudes, viverão felizes ou não, terão bons donos ou não, serão saudáveis ou não. As decisões são nossas, mas as consequencias refletirão diretamente neles. Portanto pense muito bem ao decidir salvar a vida de um animal, e por favor, faça a coisa certa!
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