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Babesiose Canina

Escrito por Silvia Schultz - Médica Veterinária - CRMV - RS 12750.

A Babesiose canina é uma doença parasitária causada principalmente pela espécie mais disseminada e patogênica, a Babesia canis.  Segundo Urquhart et. Alii (1998, pág. 214), esta espécie é encontrada no continente Europeu, na Ásia, na África e nas Américas, tem características hemolíticas (que causa anemia em decorrência da infecção das hemácias por hematozoários), transmitida por carrapatos da espécie Rhipicephalus sanguineus, considerado o principal vetor e do gênero Amblyomma. A gravidade dos sintomas clínicos, bem como o comprometimento múltiplo de órgãos, é dependente da intensidade da hemólise promovida pelo hemoparasita, da patogenicidade da cepa envolvida, e de características de susceptibilidade relacionadas ao hospedeiro (BRANDÃO, 2002). Na doença, o protozoário parasita os glóbulos vermelhos (hemácias) e os destrói, multiplicando-se, causando a anemia. A fase aguda é geralmente fatal se não tratada, e também ocorrem casos crônicos.
Segundo CARLTON & McGAVEN (1998), as doenças transmitidas por carrapatos e causadas por protozoários do gênero Babesia ocorrem em todas as espécies domésticas, principalmente em climas quentes apropriados para os carrapatos vetores. Os carrapatos vetores da doença preferem os climas quentes e úmidos, como o da Bacia Mediterrânea ou dos Trópicos, que possuem as condições ideais para seu desenvolvimento, que são ambientes quentes com bastante incidência de chuva, o que provoca bastante umidade. As temperaturas ao redor dos 27º C com umidade relativa de 70% são consideradas ideais pelos especialistas para o seu desenvolvimento (REVISTA RURAL, 2003).
No Brasil, a Babesiose é muito comum nos estados do Nordeste brasileiro, e menos comum nos do Sul e Sudeste, ocorrendo alguns casos em épocas do ano em que há temperaturas mais altas, como no verão do Sul e Sudeste. Isso sustenta a hipótese do clima influenciar no desenvolvimento do carrapato causador da doença.

Principais Gêneros de Carrapatos Vetores:
Os mais comumente encontrados em cidades e meio rural pertencem a, principalmente, dois gêneros: Rhipicephalus e Amblyomma. Conforme FRIGO (2006), os do gênero Rhipicephalus ocorrem mais nas áreas urbanas e os do gênero Amblyomma mais nas áreas rurais.
- Rhipicephalus: Abrange aproximadamente 70 espécies de carrapatos, quase todas com origem na região Afrotropical (FRIGO, 2006). A espécie que mais prevalece em cidades é Rhipicephalus sanguineus, de coloração marrom avermelhada, sendo a única espécie do gênero que conseguiu se estabelecer nas Américas por ter bastante hospedeiros caninos e também porque ela é muito específica. Em conseqüência, nota-se que os cães podem sofrer infestações maciças por R. sanguineus.
O fato de apresentarem de 2 a 3 gerações por ano e de poderem completar seu ciclo de vida tanto em ambiente domiciliar como peridomiciliar, faz com que as populações do parasito, no ambiente, também possam atingir níveis insuportáveis em pouco tempo. Com hábitos nidícolas, as formas de vida livre do carrapato procuram em locais abrigados como no interior de canis, em fendas e buracos nas paredes, atrás de quadros e de móveis (FRIGO, 2006).
A grande reprodução dos carrapatos faz com que eles sejam uma séria ameaça aos cães, principalmente os urbanos, que geralmente não têm muito contato com carrapatos e ao sofrerem infestações maciças logo no primeiro contato podem ficar com graves seqüelas.
O R. sanguineus é vetor de diversos patógenos de importância para os cães, incluindo os agentes da Babesiose, da hemobartolenose, da hepatozoonose e da erliquiose (FRIGO, 2006). Os adultos preferem instalar-se na pele, entre o coxim plantar e as orelhas do cão. Seu ataque causa grande irritação e desconforto nos animais, com perdas de sangue. Os carrapatos e principalmente seus ovos são muito sensíveis à incidência dos raios solares e por isso se abrigam nas frestas, buracos, depressões, etc.


Rhipicephalus sanguineus

- Amblyomma: compreende os carrapatos nativos que parasitam os cães acidentalmente, pois seus hospedeiros naturais são animais silvestres.  No meio rural, onde os cães vivem geralmente soltos e têm livre acesso às matas, os carrapatos prevalentes são os do gênero Amblyomma, particularmente Amblyomma aureolatum, Amblyomma ovale, Amblyomma brasiliense, Amblyomma tigrinum e Amblyomma cajennense (FRIGO, 2006). Estes carrapatos possuem hábito de tocaia, ou seja, quando estão prontos para se alimentar vão para a ponta da vegetação com a finalidade de se fixar no hospedeiro (CABRERA, 2006).  É a única espécie do gênero que conseguiu se estabelecer nas Américas e são parasitas primários de cães.
Cada carrapato fêmea adulta é capaz de pôr entre 3.000 e 5.000 ovos, após a postura e incubação, que ocorrem no meio ambiente, estes ovos irão dar origem às larvas hexápodes (que possuem 3 pares de patas) que são muito ativas e resistentes. Elas irão imediatamente procurar um cão para se alimentarem. Depois de uma ingestão de sangue que pode durar de 3 a 6 dias, a larva repleta se solta e cai, e se transforma em uma ninfa com 4 pares de patas, que também vai procurar um cão para se alimentar e sofrerá uma nova mudança ao cair no solo, transformando-se em adulto jovem sexuado (CABRERA, 2006).
Esse jovem por sua vez também irá procurar um cão para se alimentar e tornar-se adulto. O acasalamento produz-se sobre o hospedeiro, durante a ingestão de sangue, que pode durar até dez dias. Depois, a fêmea repleta de sangue parte à procura de um meio favorável para pôr os ovos (solos, celeiros, buracos nos tetos, etc.). O carrapato é infectado quando bebe sangue de um cão doente ou portador crônico e, uma vez ingeridas as babesias, estas se instalam seletivamente, no tecido ovariano dos carrapatos fêmeas, e contaminam os ovos, onde se multiplicam por divisão binária. Depois de terem contaminado os vários tecidos das larvas e das ninfas, os protozoários fixam-se no adulto, principalmente nas glândulas salivares, onde se multiplicam ativamente. Esta localização favorece a inoculação das babesias quando o carrapato se fixa na pele do hospedeiro.


Amblyomma cajennense

O cão doente
Segundo Carlton & Mcgaven (1998), a grande variedade de sinais clínicos da babesiose é devido a variações na patogenicidade dos microorganismos e na suscetibilidade dos animais. Os animais tornam-se apáticos, desidratados, fracos, e apresentam hemoglobinúria e icterícia. Isso acontece porque o protozoário ao se instalar no organismo animal hospedeiro vai destruindo suas hemácias ou eritrócitos, ocasionando anemia, principalmente.
Conforme Corrêa (1976), os cães importados de zonas indenes (onde não ocorre a doença) costumam adoecer quando entram em contato com os carrapatos transmissores do parasito e apresentam sintomas comuns da forma aguda da doença, principalmente porque não apresentam imunidade no organismo contra aquele tipo de microorganismo e na primeira vez que têm contato com ele ocorre a doença, depois ocorre certa resistência natural.
A doença apresenta algumas formas específicas, caracterizadas pelos sintomas que podem ocorrer nos cães, que são a aguda, crônica e cerebral. Os sintomas da forma aguda são segundo Corrêa (1976), febre alta, de 40 a 43° Celsius; grande prostração e hálito fétido; anorexia, magreza acentuada; discracia sangüínea – hemoglobinúria, hemorragia pelos poros das orelhas (devido À picada dos insetos hematófagos) e em outros locais da pele, quando se retiram os carrapatos; icterícia, vômitos biliosos; diarréia sanguinolenta, às vezes hemoglobinúria e morte dentro de poucas horas ou em até 4 dias.
Já a forma crônica da doença (caracterizada por mau estado nutricional e perda de peso) ocorre em cães adultos ou idosos e geralmente, conforme Corrêa (1976) termina com a cura entre 3 a 6 semanas. O cão apresenta febre somente no início da doença e encontra-se bastante abatido, emagrece e tem falta de apetite. Todos os sintomas levam à um quadro de anemia, mas que não chega a icterícia. Os animais curados conservam as Babesias no seu organismo, podendo a doença reincidir quando caso o animal se contaminar com outra doença e outras vezes pode evoluir para uma anemia progressiva e emagrecimento, até caquexia e morte, como cita Corrêa (1976).
Há uma forma cerebral, que se difere das outras duas pelos parasitos serem raros no sangue e abundantes nos capilares do cérebro, ocasionando distúrbios motores, ataques epileptiformes, que podem ser confundidos com raiva, como cita Purchase (apud Corrêa 1976). Os sinais da doença podem ser observados no sangue, que fica com uma consistência mais aquosa, de cor rosada pela destruição das hemácias e com acentuada anemia. Segundo Corrêa (1976), o fígado encontra-se com degeneração gordurosa, amarelado e os dutos biliares estão dilatados, bem como o baço hiperatrofiado e descorado. Como há hemoglobinúria, a urina apresenta-se com uma coloração avermelhada e os rins estão congestionados. Como relata Corrêa (1976), há pequenas hemorragias nas serosas, no endocárdio, no epicárdio, no intestino, na boca, nos lábios e nas pontas das orelhas, ocorrendo amarelidão dos tecidos ou icterícia.
Logo, pode-se identificar pela febre apresentada, icterícia, anemia, hemoglobinúria e também pela fraqueza e hemorragias em que o animal se encontra. Assim é possível um diagnóstico e posterior tratamento.

Diagnóstico
De acordo com Carlton e Mcgaven (1998), o diagnóstico é confirmado pela identificação de Babesia nos esfregaços sanguíneos, contudo, todas as manifestações clínicas devem ser criteriosamente avaliadas, devido à sua variedade e ocorrência de babésias não patogênicas em animais que podem ser enfermos por outras causas. Os organismos podem ser identificados por sua morfologia e pela estimulação por anticorpos específicos no soro dos animais infectados. Estes anticorpos podem ser detectados nas provas de hemaglutinação, fixação do complemente, anticorpos fluorescentes e por testes de aglutinação.
Também pode ser feito o diagnóstico observando-se os sintomas que ocorrem nos animais, principalmente os externos, como a apatia, falta de apetite, a coloração das mucosas (vermelho pálido a rosado, devido à anemia) e pela consistência do sangue, que se torna mais aquosa.

A Cura
O tratamento da babesiose compreende dois aspectos. Por um lado, combater o parasita causador, com o auxílio de produtos de limpeza do ambiente e também com o uso de produtos veterinários como xampus, sprays, coleiras específicas anti-carrapatos, entre outros (CABRERA3, 2006). Por outro, corrige as desordens e complicações produzidas pela doença, tentando neutralizar os prejuízos e efeitos que a mesma causou no organismo, usando para isso, medicamentos devidamente prescritos e indicados pelo médico veterinário.
Para cada tipo de agente transmissor (hematozoários), exintem medicamentos específicos, que sempre devem ser administrados no animal de acordo com peso, idade e condição clínica. Em muitos casos, devem-se ministrar também medicamentos que regenerem os glóbulos vermelhos, principais células destruídas pela doença. O tratamento das complicações da doença também se faz necessário, principalmente na correção de problemas renais (insuficiência renal), problemas de coagulação sanguínea e complicações hepáticas.

Prevenção
Faz-se necessário o combate e controle dos agentes transmissores da doença para não ocorrer em cães e. Os esforços, tanto do dono quanto dos veterinários, devem girar ainda em torno de meios eficazes de prevenir a doença, exterminando os carrapatos, desparasitando tanto os ambientes quanto os animais (profilaxia sanitária). Para isso, existem vários meios, tais como coleiras específicas que repelem os carrapatos, pós, sprays, banhos especiais com antiparasitários, medicações. Muitos desses produtos causam efeitos colaterais secundários, daí a extrema importância de um acompanhamento veterinário em todo o curso da doença.
Bastante eficaz, segundo Cabrera (2006), também é o emprego de "vassoura de fogo" ou "lança chamas" sobre muros, canis, estrados, chão, batentes, pois elimina radicalmente todas as fases do parasita.

Referências
BRANDÃO, Leonardo P.; HAGIWARA, Mitika Kuribayashi . Revista Clínica Veterinária. Novembro/dezembro. ano 2002. vol.VII. no. 41. p. 50-59. ISSN 1413-571X.

CABRERA, Ricardo. Babesiose, postado em 2006. Disponível em:  <http://www.dogtimes.com.br/babesiose.htm>. Acessado em 8 de Abril de 2008.

CHANDLER, E. A; THOMPSON, D. J; SUTTON, J. B. Medicina e terapêutica de caninos. Manole: São Paulo, 1989. 610p.

CARLTON, Willian W.; McGAVEN, Donald M. Patologia Veterinária Especial De Thomson. 2ª Edição. Editora Artmed: Porto Alegre, 1988, 678 p.

CORRÊA, Outubrino. Doenças Parasitárias de Animais Domésticos 3ª Edição. Editora Sulina: Porto Alegre, 1976.

FRIGO, Douglas Roberto. Carrapatos nos Cães. Disponível em: <http://www.nanico.com.br/viewtopic.php?t=141&start=0&postdays=0&postorder=asc&highlight=&sid=011634b62f530ffcf439c4a8ff894afa>.  Acessado em 8 de Abril de 2008.

JONES, T. C; HUNT, R. D; KING, W. R. Patologia Veterinária, 6º Edição, São Paulo: Editora Manole, 2000, 1415p.

REVISTA RURAL. Velhos Inimigos da Produtividade. São Paulo, N° 70, outubro de 2003. Disponível em: <http://www.revistarural.com.br/edicoes/2003/Artigos/rev70_ velhos.htm>. Acessado em 08 de Abril de 2008.

URQUHART, M.G. et al. Parasitologia Veterinária. 2º Edição. Rio de Janeiro: Guanabara Coogan S.A. 1998, pág. 214.

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