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Imunização de cães e gatos

Escrito por Silvia Schultz - Médica Veterinária - CRMV - RS 12750.

Imunização de cães e gatos – quando e como proteger seu animal.

Introdução:

Uma das primeiras coisas que consideramos quando adotamos ou compramos um animal de estimação é a necessidade de protegê-lo contra doenças infecto contagiosas graves e que podem causar-lhes a morte. A vacinação entra então como uma arma poderosa contra estas doenças, mas deve ser aplicada com cautela e de forma racional.

Dezengrini (2006) afirma que as doenças víricas estão entre as principais enfermidades da espécie canina e são responsáveis por índices consideráveis de morbidade e de mortalidade em cães de todo o mundo. As infecções pelo vírus da cinomose (CDV), parvovírus canino (CPV), adenovírus canino (CAV) e coronavírus canino (CCoV) estão entre as principais viroses de cães.

Já entre os felinos, merecem consideração doenças como a panleucopenia felina, peritonite infecciosa felina (sem vacina disponível no Brasil), raiva, complexo respiratório felino, leucemia viral felina (FeLV) e síndrome da imunodeficiência viral felina (FIV).

Desta forma, o conhecimento da prevalência e da distribuição das infecções virais de animais de companhia possui grande utilidade para indicar a necessidade de vacinação e direcionar medidas de controle (MURPHY et al., 1999).

Mas antes de entrarmos mais a fundo nestes detalhes, faz-se oportuno esclarecermos alguns conceitos básicos sobre imunologia. De acordo com Forte (2007), imunidade é a capacidade do organismo de reconhecer substâncias, considerá-las estranhas e promover uma resposta contra elas, tentando eliminá-las. A grande maioria das substâncias que o organismo reconhece como “estranhas” consiste em microrganismos ou substâncias que não são próprias dele e, portanto, a eliminação desses agentes é um mecanismo de proteção. A mesma autora complementa dizendo que a resposta imunológica, que se dá principalmente em órgãos linfóides periféricos, pode ser classificada em primária e secundária, ativa e passiva, inata e adaptativa, humoral e celular.

De um modo bastante simplificado, podemos dizer que a imunidade inata é composta por barreiras mecânicas e físicas do próprio organismo, nasce com ele e perdura por toda a vida. Incluem-se a inflamação, sistema complemento e fagocitose. É inespecífica, não possui memória e não depende de exposição prévia. Já a imunidade adaptativa (adquirida) pode ser subdividida em ativa e passiva. A Ativa ocorre quando, de forma natural (infecção) ou artificial (vacinas), o agente é introduzido no organismo. A passiva, quando produzida a partir da transferência de anticorpos maternos ao recém nascido pela placenta ou leite (colostro).

A duração da imunidade adquirida passivamente é de cerca de nove a doze semanas, havendo baixa significância da sexta à sétima semana de vida, ou duração maior, com níveis de anticorpos detectáveis até a 12ª ou 14ª semana de idade (CORNWELL, 1982). Quando o nível de anticorpos atinge o limiar mínimo, com título de anticorpos neutralizantes da ordem de 20, os cães se tornam susceptíveis à infecção natural. Após a exposição ao agente infeccioso, desenvolve-se uma imunidade relativamente longa, com os anticorpos neutralizantes persistindo durante muitos anos.

Assim, de acordo com Gillespie (1958), a proteção passiva protege contra infecção natural durante as primeiras semanas de vida, quando o sistema imune do animal ainda não está perfeitamente capacitado para suportar uma infecção por um vírus altamente virulento e patogênico, e é dada pela transferência passiva de imunoglobulinas.

A primovacinação:

Gillespie et al. (1958), observou que o título de anticorpos de um filhote é proporcional ao título do soro de sua mãe. Com base no título do soro da mãe, é possível construir um nomograma e assim predizer a idade na qual os filhotes tornam-se suscetíveis à infecção, podendo, portanto ser imunizados (BAKER, 1959). Como na prática é impossível determinar quando isto ocorre, recomendam-se múltiplas doses de vacinas administradas a intervalos de três a quatro semanas, sendo a primo inoculação recomendada entre seis e oito semanas de idade, a segunda entre dez e doze e a terceira após doze semanas de idade, entre quatorze e dezesseis semanas.

Não se recomenda vacinar animais com menos de 6 semanas de vida, pois a interferência com os anticorpos recebidos passivamente da mãe é a maior causa de falha vacinal, não ocorrendo, portanto, a adequada imunização.

Animais adultos e que nunca foram vacinados poderão receber apenas uma dose da vacina polivalente (múltipla), uma vez que já não existem mais anticorpos maternos circulantes que poderiam inativar a vacina aplicada.

As principais vacinas recomendadas para cães são a V6 (cinomose, parvovirose, hepatite infecciosa canina, parainfluenza, coronavirose e adenovirose tipo II), V8 (protege contra todas as doenças da V6 + leptospirose), antirrábica, e tosse dos canis (adenovirus tipo 2). A vacina contra Giardíase já é considerada “não recomendada” em vários países, pois a imunidade é curta, o risco de reverter a virulência é grande e a infecção natural, quando ocorre, segue um curso benigno e de fácil resolução. Nos gatos, destacam-se a vacina contra a panleucopenia, herpesvírus, calicivirus, Clamidiophila felis (múltipla) e antirrábica.

Vacinas Nacionais ou Importadas? Éticas ou não Éticas?

Muito se fala em diferenças de qualidade e principalmente da eficiência entre as vacinas nacionais e as vacinas importadas. De fato existem diferenças, principalmente no que tange à massa antigênica (quantidade de antígeno para combater o agente) e atualização das cepas (variedades de um mesmo vírus), podendo interferir na resposta imune e proteção do animal. Vacinas importadas costumam ter um rigor maior em relação à atualização de cepas virais e possuem uma massa antigênica suficiente para estimular o sistema imune, o que nem sempre é verdade quando falamos de vacinas nacionais. Porém, hoje em dia levanta-se uma questão que vai além dos conceitos de nacional-importada, e sim que leva em consideração os conceitos de vacinação ética e não ética. Vacinas éticas são aquelas aplicadas por um médico veterinário, são bem armazenadas e tem sua procedência conhecida. São refrigeradas em temperatura adequada e os cuidados com a aplicação no animal são observados com o máximo de rigor. Desta forma, somente médico veterinários tem acesso à vacina e os animais passam por uma avaliação clínica antes de recebê-la. Já as vacinas não éticas normalmente são transportadas e armazenadas de forma inadequada, não tem sua procedência conhecida e são vendidas em qualquer casa agropecuária e aplicadas por qualquer pessoa. Assim, não tem como definir com certeza de onde veio essa vacina, como foi o transporte até o local de venda e principalmente se o animal estava apto a recebê-la, aumentando consideravelmente as chances de falhas vacinais. Conclui-se então que, embora vacinas importadas sejam mais recomendadas em função de sua maior eficiência, uma aplicação de vacina nacional ética é ainda mais segura do que a aplicação de uma vacina importada não ética.


Quais os principais tipos de vacinas?

As vacinas podem ser víricas (vírus), bacterianas (bactérias), fúngicas ou para protozoários, de acordo com o agente que se quer neutralizar. Podem ser vivas, contendo o agente viável (atenuado) que replica, amplifica e são as que mais se assemelham à infecção natural. Geralmente são instáveis, produzem imunidade rápida e duradoura (cd8), aplicação única, não requerem adjuvante (menos efeitos colaterais) e a quantidade de antígeno usada é pequena. Porém podem reverter e causar a doença, não sendo indicadas, portanto, para imunodeprimidos. Já vacinas não-vivas contem o agente inativado (morto). São estáveis, a imunidade é limitada e passageira (ac, cd4), requerem múltiplas aplicações, necessitam adjuvante e possuem uma grande quantidade de antígeno. Os efeitos colaterais são mais freqüentes, mas não há risco de reverter a virulência e causar a doença.

Qual a real necessidade e freqüência das revacinações?

Até pouco tempo atrás se tomava como regra geral as revacinações anuais para cães e gatos. Porém, estudos atuais vêm demonstrando que os títulos de anticorpos para determinadas doenças se mantém em índices aceitáveis por até três anos ou mais.

Biazzono et al., (2001), em seu estudo da avaliação da resposta imune humoral em cães jovens imunizados contra a cinomose com vacina de vírus atenuado, afirma que após a administração da primeira dose de vacina os cães já apresentaram títulos de anticorpos em níveis protetores e, após a revacinação anual, os títulos de anticorpos perduram por mais de 12 meses, não indicando a necessidade de reforço imediatamente após 1 ano.

Outros autores complementam esta idéia quando afirmam que em países onde a vacinação é sistemática, os estudos indicam que o título de anticorpos contra cinomose, parvovirose, adenovirose e parainfluenza é adequado e esses se mantêm como tal até dois ou três anos após a última vacinação (BOHM et al., 2004; JOZWIK et al., 2004; MOUZIN et al., 2004).

Lembrando que estamos falando de vacinas vivas, que conferem uma imunidade de longa duração sem necessidade de revacinações freqüentes. Day et al., (2010) afirma que uma única vacina viva contra cinomose ou parvovirose, se aplicada em um cão saudável com mais de 4 meses de idade, é capaz de conferir proteção por 9 anos ou mais. Horzinek (2006) também colabora com este assunto quando diz que a questão da titulação obtida ser considerada suficiente para conferir ou não proteção contra a doença (desafio) proporcionada por um vírus de campo é irrelevante. Não é o anticorpo remanescente no sangue que determina a sobrevivência frente à infecção, mas a população de células de memória que pode rapidamente se expandir. De acordo com Maruyama et al., (2000), uma população de clones dessas células se divide lentamente por toda a vida do animal.

Horzinek (2006) complementa afirmando que atualmente a revacinação anual de animais adultos contra cinomose, parvovirose e doenças adenovirais é cientificamente injustificado, profissionalmente obsoleto e eticamente questionável. Outros antígenos vacinais, no entanto, podem precisar de injeções anuais, ou até mais freqüentes. A autora defende ainda que as revacinações devem ser realizadas levando em conta vários aspectos, como idade, raça, estilo de vida e situação epidemiológica, e defende a titulação de anticorpos circulantes antes da aplicação das doses de reforços a fim de não hiper estimular o sistema imunológico de forma desnecessária.

Larson & Schultz (2007) mostraram que a duração da resposta sorológica para a recombinante canarypox - vacina contra o vírus da cinomose canina vectored (Recombitek, Merial) foi de pelo menos 36 meses, dispensando a necessidade de revacinações anuais.

Em relação à felinos, existem poucas informações na literatura até o momento, mas já se considera a idéia de não exagerar nas revacinações principalmente levando-se em consideração que a tendência atual é a criação de gatos totalmente indoor, ou seja, sem contato com as ruas. Também se indica a avaliação sorológica (quando disponível) antes das revacinações.

Porém vale ressaltar que mesmo com estudos e pesquisas relativas à necessidade ou não de revacinações freqüentes, devemos sempre considerar cada animal como único e, portanto, merecedor de um protocolo vacinal individualizado de acordo com região onde vive, epidemiologia, risco, idade, raça, suscetibilidade, presença ou não de outros animais na casa, status sanitário entre outros fatores. Isso inclui ainda evitar a utilização cepas de patógenos não existentes ou pouco patogênicos (a exemplo dos sorovares para Leptospirose das vacinas V8 e V10) e estar atento aos efeitos colaterais (choque anafilático). Por exemplo, a escolha entre a V6, V8 e V10 deve sempre ser feita de acordo com o risco ao qual o animal está submetido e presença do patógeno. Se existir risco para leptospirose (doença bacteriana), a vacinação deve seguir sendo feita anualmente (V8 ou V10, a V6 não possui sorovares para lepto). O mesmo vale para leishmaniose, pois a imunidade para protozoários costuma ser de curta duração.   Portanto, jamais se deve instituir um protocolo de vacinação empiricamente sem levar em conta cada um destes fatores.

A vacina falhou. Porque?

Várias são as causas de falhas vacinais, e estas podem estar relacionadas à própria vacina, administração ou conservação e alterações no animal. De acordo com Traesel (2011), falhas relacionadas com a vacina incluem cepa incorreta, pouco antígeno, antígeno não protetor, pouco adjuvante ou adjuvante incorreto. Falhas de administração ou conservação incluem conservação/administração inadequadas, animal com imunidade passiva ou já infectado. Finalmente, as falhas relacionadas ao animal referem-se à presença de imunidade passiva ou infecção, animal imunodeprimido, doente ou variação individual.

Observações importantes:

– Até que todo o ciclo vacinal esteja completo (primovacinação), o filhote não deve ser levado passear no chão ou com outros animais, especiamente se os mesmos estiverem doentes ou sem histórico vacinal garantido. Se houver necessidade de socializá-lo, o filhote ser levado no colo ou dentro do carro.

– Animais doentes, fracos ou desnutridos não devem ser vacinados, devem ser tratados e curados antes.

– Cadelas prenhes não devem ser vacinadas, especialmente com vacinas vivas, pelo risco de malformações fetais e por ser a prenhes um período de imunomodulação que predispõe à efeitos colaterais mais graves e até mesmo reversão de virulência.

Referências:

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BAKER, J. A.; ROBSON, D. S.; GILLESPIE, J. H.; BURGHER, J. A.;DOUGHTY, M. F. A nomograph that predicts the age to vaccinate puppies against distemper. The Cornell Veterinarian, v. 49, p. 158-167, 1959.

BIAZZONO, L.; HAGIWARA, M. K.; CORRÊA, A. R. Avaliação da resposta imune humoral em cães jovens imunizados contra a cinomose com vacina de vírus atenuado. Braz. J. vet. Res. anim. Sci. São Paulo, v. 38, n. 5, p. 245-250, 2001.

BOHM, M.; THOMPSON, H.; WEIR, A et al. Serum antibodies titres to canine parvovirus, adenovirus and distemper virus in dogs in the UK which had not been vaccinated for at least three years. Vet. Rec., v.154, p.457-463, 2004.

CORNWELL, H. J. C.; THOMPSON, H. Vaccination in the dog. In Practice,v. 5, p. 151-158, 1982.

DAY, M.J; HORZINEK, M.C.; SCHULTZ, R.D. Guidelines for the Vaccination of Dogs and Cats. Journal of Small Animal Practice. Vol. 51. Jun/2010. p. 1-30. Disponível em: < http://www.wsava.org/PDF/Misc/VaccinationGuidelines2010.pdf>

DEZEGRINI, R.  Soroprevalência de infecções víricas em cães de Santa Maria, RS; e seleção e caracterização de linhagens celulares resistentes ao vírus da diarréia viral bovina. Dissertação (Mestrado em Medicina Veterinária Preventiva). Programa de Pós-graduação em Medicina Veterinária, Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, RS. 2006, 62p.

FORTE, W. C. N. Imunologia - do Básico ao Aplicado. Artmed, 2006, 364 p

GILLESPIE, J. H.; BAKER, J. A.; BURGHER, D. R.; GILMAN, B. The immune response of dogs to distemper virus. The Cornell Veterinarian, v. 48, p. 102-126, 1958.

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LARSON, L.J.; SCHULTZ, R.D. Three-year duration of immunity in dogs vaccinated with a canarypox-vectored recombinant canine distemper virus vaccine. Veterinary Therapeutics, v. 8, n. 2, p.101-106, 2007.

MOUZIN, D.E.; LORENZEN, M.J.; HAWORTH, J.D. et al. Duration of serologic response to five viral antigens in dogs. J. Am. Vet. Med. Assoc., v.224, p.55-60, 2004.

MURPHY, F.A. et al. Veterinary virology. 3.ed. Califórnia: Academic, 1999. 629p.

TRAESEL, C. K. Vacinas. Departamento de Medicina Veterinária Preventiva, UFSM, Santa Maria, Nov 2011

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